quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Teleférico da Providência: pedagogia de resultados ou armadilha midiática?

Por Antônio Augusto Veríssimo, Arquiteto e Urbanista

Teleférico da Favela de Santo Domingo, Medellín.
Foto do autor
Em outubro de 2009 chegou ao Rio de Janeiro um grupo de professores e estudantes de um curso de pós-graduação da universidade norte americana de Colúmbia [1]. Este grupo [2] era formado por arquitetos de diversas partes do mundo e tinha por objetivo conhecer uma favela típica do Rio e para esta propor soluções arquitetônicas e urbanísticas que pudessem ser aplicadas efetivamente. A favela escolhida foi o Morro da Providência, para onde a Prefeitura do Rio de Janeiro, por meio de sua Secretaria Municipal de Habitação, já desenvolvia um projeto de urbanização a cargo de um escritório de arquitetura contratado. Outro motivo para a escolha foi o fato de a favela estar localizada na área de intervenção do Porto [3],  embora fora da operação consorciada em termos financeiros. Cabe salientar que deste grupo faziam parte também representantes [4] da empresa austríaca Doppelmayer, a maior fabricante de teleféricos do planeta.

Como era de se esperar, a “proposta urbanística” apresentada ao Secretário de Habitação em 20 de outubro de 2009 pelo grupo de professores e estudantes daquela universidade previa a implantação de um teleférico ligando a Central do Brasil à favela e desta a área portuária, junto à Cidade do Samba.

No dia 22 de outubro a proposta elaborada pelos estudantes foi publicada no Jornal O Globo (ver imagem abaixo) [5], que destacou uma simulação gráfica do teleférico planando sobre o Morro da Providência. Por esta ocasião, como já citado, estava em curso um projeto de urbanização que visava à complementação das intervenções já realizadas anteriormente pelo Programa Favela Bairro e por outra ação do município denominada “Museu Aberto da Providência". Cabe ressaltar que, em nenhuma das propostas desenvolvidas ou em desenvolvimento para o local, era aventada a hipótese de construção de um teleférico, embora a ideia de um plano inclinado interligando a Praça Américo Brun ao Largo da Capela, no interior da comunidade, já integrasse os planos da Prefeitura. 

Fonte: Jornal O Globo
A imagem publicada do teleférico ganhou a adesão imediata do Prefeito, que determinou que a implantação do teleférico fosse incorporada ao projeto de urbanização em execução para o local. Imediatamente, sob a consultoria dos representantes locais da empresa Doppelmayr, iniciaram-se os estudos técnicos para a construção do teleférico no Morro da Providência.

Não obstante a inexistência de estudo técnico que comprovasse a necessidade, viabilidade ou sustentabilidade da implantação desse equipamento, foram iniciados de forma acelerada os projetos e outras providências para sua construção, tendo sido definido o prazo limite para sua entrada em operação o mês de setembro de 2012. Para a viabilização dessa empreitada, foram realizadas reuniões com representantes da empresa austríaca que culminaram com a vinda, ao Rio de Janeiro e à Secretaria Municipal de Habitação, do seu presidente, o Sr. Michael Doppelmayr. Representantes daquela empresa passaram a assessorar o escritório responsável pelo projeto de urbanização e a equipe técnica da SMH, especialmente na elaboração dos termos de referência e orçamento para a licitação e aquisição dos equipamentos.

Cumpridas as etapas de projeto e elaboração dos demais documentos, procedeu-se à licitação das obras. Apresentou-se à licitação o Consórcio Rio Faz, formado pelas empresas Odebrecht, OAS e Carioca Engenharia, que são também as detentoras do contrato para urbanização de toda a área portuária, polígono onde está inserido o Morro da Providência. Como este consórcio foi o único concorrente a ser apresentar ao pleito, ganhou a obra pelo maior preço possível. (A obra estava orçada em R$ 119 milhões e o Consórcio a levou por R$ 131 milhões.) 

Logo após ganhar a licitação, em janeiro de 2011, o consórcio anunciou que executaria a implantação do teleférico adquirindo equipamentos fabricados pela empresa francesa POMA, a maior concorrente da austríaca Dopplemayr. O argumento utilizado pelo consórcio para essa decisão era o de que a empresa francesa já possuía uma obra executada na cidade, o teleférico do Morro do Alemão, obra sob a responsabilidade do mesmo consórcio. Outro argumento era o de que, assim como no Morro do Alemão, a empresa concessionária do transporte ferroviário, SUPERVIA, acabaria também assumindo a operação do teleférico do Morro da Providência e não se justificava ter aquela operadora que lidar com duas tecnologias e fornecedores distintos, o que oneraria a operação e manutenção do sistema. Cabe lembrar que, na ocasião, a Odebrecht, uma das integrantes do consórcio construtor das obras de urbanização do Alemão e Providência, havia também assumido o controle acionário da SUPERVIA.

Logo chegaram os consultores da POMA para assumir a orientação da elaboração dos projetos executivos do teleférico. Após já estarem praticamente definidos os projetos e especificações dos equipamentos para início da aquisição, uma nova reviravolta ocorre com a divulgação, em matéria jornalística publicada no Jornal O Dia, em 07/12/2011, da informação de que no mês de janeiro de 2012 deveriam chegar ao porto do Rio os primeiros equipamentos para a montagem do teleférico do Morro da Providência produzido - não se espantem - pela Doppelmayer. Esta notícia tomou de surpresa os técnicos da Secretaria de Habitação, do escritório de projetos e, sobretudo, os engenheiros e funcionários de campo do próprio consórcio construtor.

A construção do teleférico, assim como toda a obra de urbanização do Morro da Providência, foi objeto de muitas polêmicas e conflitos com os moradores e com o próprio consórcio construtor, o que resultou em grande atraso nas obras, tendo sido o teleférico entregue ao público somente no mês de junho de 2014.

Em função de não ter sido possível o ajuste prévio da concessão da operação do teleférico com a Supervia, coube à CEDURP, instituição administradora da Operação Urbana do Porto assumir provisoriamente a operação do equipamento, o que lhe custa, estimativamente,  cerca de R$ 12 milhões anuais. 


Teleférico: equipamento de transporte ou peça publicitária eleitoral?

Não obstante o grande impacto midiático e na paisagem das obras do teleférico, estes não parecem ser a melhor alternativa para o transporte de massa, especialmente para o atendimento de comunidades com as características das favelas do Rio de Janeiro, pois trata-se de equipamento dedicado unicamente ao transporte de pessoas, com evidentes limitações para o cumprimento de outras funções de transporte e mobilidade, tais como o transporte de mercadorias, mudanças, materiais de construção, bicicletas, pessoas com dificuldades de locomoção, lixo, etc. Neste sentido, parecem muito mais adequados equipamentos do tipo plano inclinado, tal como utilizado no morro de Santa Marta. 

Fonte: Fabio Gonçalves / Agência O DIA. 
http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2014/07/teleferico-da-
providencia-sera-interligado-ao-brt-transbrasil-rio.html

Dois estudos recentemente realizados sobre sistemas de teleféricos colocam em dúvida a adequação deste tipo de meio de transporte de massa em favelas. O primeiro, realizado pelo Prof. Werner Kraus da Universidade Federal de Santa Catarina conclui que: 
“O problema da irrelevância do teleférico para a mobilidade dos moradores é verificada na instalação mais conhecida do Brasil, qual seja, o Morro do Alemão na cidade do Rio de Janeiro. Com um volume diário em cerca de 12 mil viagens [6], representa solução de transporte para menos de 10% dos (..) moradores do local”. 
O segundo estudo, desenvolvido pelos Professores Peter Brand e Júlio Dávila, [7] da Escola de Planejamento Urbano-Regional da Faculdade de Arquitetura da Universidade Nacional da Colômbia, Sede Medellin, concluiu que, tendo em vista essas limitações, a maioria dos usuários regulares do teleférico implantado pioneiramente em favela daquela cidade são trabalhadores do mercado formal, que os utilizam basicamente em seu deslocamento de ida e retorno do trabalho (movimento pendular), continuando os demais habitantes a utilizar os meios tradicionais (micro-ônibus, motocicletas, ou caminhar) para seus afazeres diários. Concluem estes pesquisadores que os teleféricos têm mais êxito no sentido simbólico do que no uso prático, tendo em vista seu alto impacto visual e atratividade política. 

O impacto simbólico dos teleféricos, associados os interesses políticos e comerciais envolvidos, todos suportados por eficientes lobbies e intensas ações midiáticas, tem tornado quase hegemônica a ideia de que os teleféricos são uma solução eficiente para a questão do transporte e mobilidade nas favelas. Mas, salvo melhor juízo, no caso carioca ainda faltam estudos consistentes que possam comprovar esta hipótese. Por enquanto, fica a sensação de que a cidade (e por consequência o bolso do contribuinte carioca), foi pego em uma armadilha midiática suportada por uma eficaz ação pedagógica de resultados.

____________
NOTAS

[1]Columbia University
[2]O grupo era liderado pelos Professores Alfredo Brillenbourg integrante. do Urban Think Thank, e pelo austríaco Hubert Klumpner, (Adjunct Professor / Director SLUM-Lab _The Graduate School of
Architecture, Planning and Preservation.
[3]Operação Urbana do Porto Maravilha.
[4] Mag. Andreas Rudolf, Deput Sales Director, International Markets. Doppelmayr Seilbahnne GmbH e Severino Soares da Silva, Diretor da ESSE Engenharia e Consultoria.
[5]http://revista.zap.com.br/imoveis/americanos-propoem-teleferico-na-providencia/
[6] O sistema do Alemão foi projetado para 30.000  passageiros/dia.
[7]To cite this article: Peter Brand & Julio D. Dávila (2011): Mobility innovation at the urban margins, City, 15:6, 647-661; To link to this article: http://dx.doi.org/10.1080/13604813.2011.609007


2015-02-10